Prazer, eu agnóstico.
Minha relação com a Igreja sempre foi muito próxima, afinal eu nasci em uma família católica, fui batizado na igreja católica e obrigado a fazer a primeira comunhão (consegui escapar da crisma, graças a Deus). Nada disso me fez católico e essa é a parte interessante.
Desde muito novo eu fui ensinado a rezar, agradecer e pedir, mas nunca entendi direito como tudo isso funcionava, pois não era necessário rezar em voz alta, agradecer pessoalmente e nem reivindicar com clamor. Tudo teria que ser feito ajoelhado ao lado da cama, com as mãos unidas, olhos fechados, cabeça baixa, dentro do meu quarto, sozinho e em silêncio.
Fui ensinado que Ele seria minha salvação, me levaria ao céu para ter uma pós-vida alegre e tranquilo, mas como o meu eu de 5 anos desejaria um pós-vida tranquilo se eu nem sabia o que era viver? Queriam me embutir a ideia de que se eu seguisse todas as regras, quando eu morresse seria tudo tranquilo.
Ué, mas não são só os velhos que morrem? Eu era criança e não tinha muita noção de tempo, a pouca noção que tinha era que eu iria demorar muito para morrer, porque me preocupar agora em não tomar o sorvete antes de jantar?
Então começaram as ameaças, me ensinaram que Ele é amor, que eu deveria ser grato pela vida que Ele me deu, eu deveria agradecer o presente que é o livre-arbítrio e escolher adorar-Lo. Caso não, eu irei passar a eternidade queimando no inferno. Bem, eu deveria chama-Lo de Pai, mas meu pai não é assim. Pai pode significar coisas diferentes?
Eu não sabia que sim, a mesma palavra pode significar coisas completamente diferentes. Homônimos, polissemia, indiferente. Uma palavra, vários significados.
Então todos meus amigos começaram a frequentar a escola dominical para se preparar para a tão esperada primeira comunhão, nisso eu já tinha entre 12 e 13 anos. Com essa idade eu já passava a entender que eu era o próprio pecado, pois meus sentimentos não estavam voltados à mulheres, meninas, colegas de sala. Eles iam rápidos e serelepes ao encontro dos meninos, na educação física e no banho que aqueles atletas mirins tomavam para tirar o suor. Enquanto eles jogavam futebol eu estava decorando a nova coreografia de Rouge.
Eu ganhei o bendito livre-arbítrio, mas não podia escolher essa maldita vida. Foi então que conheci uma querida amiga que me acompanha até o dias atuais, a somatização.
Todos os dias em que eu precisava ir para a catequese eu sofria de crises gigantescas de dores de cabeça, começava logo após o último sinal de escola e ia se intensificando. Não havia dipirona capaz de fazer ela passar. O melhor remédio era o final das lições e a chegada definitiva em casa, muito obrigado até a próxima quarta.
Os dias foram passando, as dores de cabeça se tornaram companheiras, eu não poderia faltar das lições religiosas e os médicos não encontravam uma causa física para as dores. Conforme o final da evangelização se aproximava, o ato da primeira confissão também estava diante.
Foram meses se preparando, ouvindo que eu deveria confessar ao padre todos os meus pecados para poder ser perdoado e seguir com a vida limpa. Poderia eu confessar todos os meus pecados ao padre? Poderia eu receber a salvação?
A vergonha era maior e me consumia por dentro pois eu não conseguia me arrepender. A minha professora da catequese dizia que não havia pecado quando havia arrependimento. Um assassino se arrependia de matar sua vítima? Porque eu não me arrependia de ficar bisbilhotando pela fechadura da cabine do banheiro todos os meninos da minha sala tomando banho.
Eu passei a entender que eu não fazia as coisas de forma errada, eu era o próprio erro.
Para uma dolescente de então 14 anos ter esse fato como algo consumado não foi fácil. O dia de se confessar chegou e eu inventei que briguei com minha mãe (honrar pai e mãe) e falei o nome de Deus em vão, recebi um chocolate, ouvi que Deus me perdoava e tinha que rezar 10 pais nosso e 10 ave maria.
Então fui ao genuflexório ajoelhar e rezar minhas orações de perdão. No meio do primeiro pai nosso a frase de um colega invadiu minha mente: “se você mentir ao padre, na hora da oração Deus vai te punir com dores no joelho”. Aceitei minha punição e segui com minhas orações. O medo, a raiva e a vergonha se juntaram naquele dia, fizeram uma festa com a enxaqueca e as dores no joelho, quando terminei a última Ave Maria tinha certeza que não iria conseguir levantar.
Levantei, enxuguei a única lágrima que escorria pelo meu rosto e fui para a casa.
Chegou então o dia da missa de comemoração da primeira comunhão, todos de branco, todos segurando uma vela e desse dia eu não lembro de muita coisa, mas lembro do empurrão que senti, do tranco fazendo minha vela voar da minha mão e quando olhei para trás a fim de entender o que estava acontecendo, me deparei com um colega estatelado no chão, branco, com o nariz sangrando do encontro com o piso.
Todos em choque e desesperados, minha professora se abaixando virando o rapaz em seu colo não sabia se estancava o sangue ou se tentava acordar a criatura desmaiada. Eu? Pedindo perdão a Deus e prometendo que se nada me acontecesse naquele dia, eu deixaria de ser um pecado ambulante. Nada me acontece naquele dia e eu não deixei de ser um pecado ambulante.
A vida foi acontecendo, eu não fui mais obrigado a ir nas missas de domingo e acabei me distanciado da religião, porém ainda rezava a noite como um bom doutrinado. Ainda me sentia pecador e sempre clamava perdão quando algo fugia do meu controle. Eis que começo a ler livros diversos e entro na faculdade. Assim passei a entender o peso que a crença tem na vida das pessoas e o tanto de religião existente disponível para você escolher.
Fui ensinado que: ou você adora a Deus, ou será abraçado por Lúcifer. Apesar do livre-arbítrio eu não tinha muitas opções de escolha, não é? Lendo Freud que descobri a palavra ateu. Freud era ateu e sua sua descrença nas religiões foi uma dos pontos da briga tão famosa que teve com Jung. Portanto, um dia, sozinho em casa, eu cometi o ato mais rebelde (olha, eu não fui um adolescente rebelde, eu não bebo e nem fumo até hoje, nunca experimentei drogas, acho que tenho crédito, né?), abdiquei completamente de Deus e assumi para mim mesmo que: Eu sou ateu.
Acredito que se assumir ateu tenha sido um ato de coragem tão grande quanto se assumir gay. Mais um motivo para ser julgado, mais um motivo para olharem torto pra mim.
Sim, sou ateu. Essa era minha nova frase de orgulho. “Então você não acredita em Deus?” “Não” “Mas porque você prefere ao diabo?” “Olha, ser ateus significa não acreditar em nenhum dos dois, o diabo só existe porque Deus existe, se eu não acredito em um, eu não acredito no outro” “E você acredita em que?” “Na ciência” “Mas quando você vai fazer uma prova, pra quem você reza?” “Eu não rezo, eu estudo”. Incontáveis questionamentos que ocorrem em paralelo com “você é o homem ou a mulher da relação?”.
Quando conheci melhor a filosofia e o comportamento científico eu passei a querer entender mais a igreja católica, não para me reconverter, mas para ter base dos argumentos que eu usava para abdicar a Deus. Eu não poderia ser hipócrita em dizer que eu não acreditava e nem ao menos entendia direito do cristianismo. Apenas “não servir” pra mim não era suficiente.
Não era possível que Deus tivesse me feito à sua imagem e semelhança, afinal se eu era pecado, seria Deus pecador? Se Deus era onisciente e sabia como eu seria no futuro, mesmo entregando-me o livre-arbítrio seria ele uma criança sádica a ponto de querer me ver vivendo em profanação? Porém para além do meu lindo umbigo. Se Deus é onipresente ele está no momento em que uma criança é morta pelo pai, uma bomba nuclear é arremessada em uma cidade, um avião atinge um prédio, ele estava lá e não fez nada. Mas Lucas, é o livre-arbítrio! Bem, não me interessa muito. Se você sabe de tudo que vai acontecer e ainda está presente no momento em que acontece, mas não faz nada para impedir, isso te faz conivente.
E então vieram as mortes. Primeiro do meu tio, por conta da depressão ele parou de levantar da cama, mesmo sem problemas físicos diagnosticados, morreu acamado. Minha tia que sempre foi um anjo na terra, lutou contra o câncer e não ganhou a batalha. Meu pai teve cirrose. Não me interessa o “plano maior”, mas sim que hoje eles não estão aqui, porém outras pessoas que não mereciam estar, estão.
O sentimento de negar a existência me pareceu muito mais birra infantil do que de fato a consciência de negar a existência. A questão aqui é que eu não queria acreditar na existência de Deus e saber que ele permitiu tais atrocidades acontecerem na minha família e permite outras mais acontecerem ao redor do mundo, o sentimento de raiva e injustiça era amargo na garganta. Então nega. Se livre desse sentimento e esbraveje que Ele não existe. Negue até dizer chega. Não permita que um fundo de dúvida reste nesse pote salgado da doutrinação.
Neguei.
Ainda assim não estava satisfeito, o tempo passou, os lutos foram sendo elaborados da melhor forma possível e continuei questionando.
As construções católicas sempre me chamaram atenção, eu adoro conhecer igrejas e ver as imagens santas. Mas seria isso vestígios da minha crença? Não, eu nego.
Verdade é que eu sempre fui apaixonado por mitologias, leitor assíduo de toda e qualquer história que Rick Riordan possa escrever. Eu posso admirar a Grécia sem precisar rezar para Zeus e posso visitar Atenas sem precisar pedir permissão para Athena. Eu posso visitar Notredame sem fazer o-nome-do-pai.
Pronto, então estamos falando sobre a grande mitologia cristã e assim como todas as mitologias eu adoro os mistérios que a envolve. Suas histórias, suas construções e a cicatriz que deixa em cada um de nós. Assim como todas as outras mitologias, esta veio com o intuito de explicar sem ciência, afagar os necessitados e colocar na linha os desordeiros.
Mas a ciência me trouxe finalmente a resposta em que eu procurava, não de uma forma científica, mas me ensinando como ser um cientista. A ciência não nega os fatos, ela checa e expõe. Ela organiza, ela testa, ela critica, ela observa, ela demonstra. Então tomarei a postura de um cientista frente a religião. Eu não irei negar a existência de Deus ou de um deus, mas adoraria bater um papo com Ele quando possível.
Não irei gritar que os milagres são mentiras, mas adoraria pesquisar mais sobre os fenômenos observados nesse caso e verificar se a ciência existente hoje em dia poderia dar uma explicação plausível. E nunca, em hipótese alguma eu irei zombar da sua fé. Tenho a plena certeza do quanto ela é importante para você e o quanto ela te ajuda a ser quem você é, mas esse é teu espaço e não meu.
E no início quando informei que minha relação com a igreja é muito próxima eu me referia mais ao espaço físico do que a igreja como instituição. Sempre que tenho um tempo vago, adoro entrar na igreja com as luz do dia entrando em seus vitrais, sentar em seus bancos duros, aproveitar o silêncio e ler um bom livro. As imagens desse post são todas da Igreja Matriz aqui da minha cidade onde passo todo o meu horário de almoço.
Portanto eu não tenho o intuito de provar a inexistência de Deus e nem de negar Ele com todas as minhas forças e energias. No momento, eu não acredito e nada que ocorreu comigo até hoje valha de experiência para passar a crer, mas caso ele apareça na minha frente informando sua existência, não irei Lhe contradizer. E se Ele de fato existe e está lá no quieto lugar Dele, mesmo sendo o Todo-Poderoso, podendo fazer algo e escolhando não fazer, não faço questão de adorar um Deus assim. Se Ele aparecer na minha frente, eu espero no mínimo um pedido de desculpas. Não acredito, mas afirmar sua inexistência também não o farei. Prazer, eu agnóstico.